sábado, 8 de fevereiro de 2025

Os Irmãos Karamazov

 

Aquele livro que, profundamente, me marcou, desde a primeira vez que o tive e li, num só volume, na edição do Círculo de Leitores (1981), foi Os Irmãos Karamazov de Dostoievski.
Aquele que termina assim:
“[...]
– Com certeza, Ressuscitaremos, tornaremos a ver- nos, para contar uns aos outros tudo quanto se passou – respondeu Aliocha, meio a rir, meio sério.
– Há-de ser bom! Disse Kolia.
– E agora, já falamos demais. Vamos ao repasto fúnebre. Não se preocupem com o facto de comermos filhoses. É uma velha tradição que tem o seu lado de aceitável – volveu Aliocha, sorridente. – E agora vamos de mão dada.
– E sempre assim, toda a vida de mão dada! Hurra por Karamazov! – insistiu Kolia, entusiasmado. E todos os pequenos repetiram as aclamações.”
Disse Janko Lavrin (“Dostoievski”. Círculo-Leitores: 2003:7):
“Se considerarmos que uma das funções da Arte é alargar e aprofundar a nossa recepção da realidade, do homem e da vida, não podemos hesitar em colocar Dostoievski como artista ao nível de um Shakespeare. Dificilmente encontraremos outro autor, cuja necessidade de revelar os segredos da consciência humana com todos os seus medos, contradições e conflitos dramáticos seja tão impetuosa como a de Dostoievski [...]”
Tinha 15, 16 anos quando esbarrei (é o termo) com os vários livros dele que havia lá por casa dos meus pais: Crime e Castigo, Os Possessos, Está Morta, Noites Brancas, Humilhados e Ofendidos, Pobre Gente, Recordações da Casa dos Mortos, Notas do Submundo e O Idiota, que me chamou a atenção, que não li, mas que quero ler.
Os Irmãos Karamazov foi a maior revelação, para mim (nessa altura e para sempre) da Literatura.
E esquecendo Ivan (o meu preferido dos 3 “Irmãos Karamazov” e, com ele, “O Inquisidor-Mor”), e Dmitri (o outro lado do homem – ou da vida), fixemos aqui o epílogo do romance – esse final extraordinário, luminoso, paradoxal – juntando-nos a Aliocha, no enterro de Iliucha:
“[...] Karamazov – perguntou Kolia –, é verdade o que diz a religião, que nós ressuscitamos de entre os mortos, que tornaremos a ver-nos uns aos outros e todos a Iliucha?
– Com certeza. Ressuscitaremos, tornaremos a ver-nos, para contar uns aos outros tudo o que se passou – respondeu Aliocha, meio a rir, meio a sério.
– Há-de ser bom – disse Kolia.
– E agora, já falámos demais. Vamos ao repasto fúnebre. Não se preocupem com o facto de comermos filhoses. É uma velha tradição que tem o seu lado aceitável – volveu Aliocha, sorridente. – E agora vamos de mão dada.
– E sempre assim, toda a vida, de mão dada” Hurra por Karamazov! – insistiu Kolia, entusiasmado. E todos os pequenos repetiram as aclamações.”
Ou, se preferirem, outro final – o de Notas de Submundo, com uma “verdade” que tomo como (quase) minha:
“[...] Deixem-nos sem livros e ficaremos de imediato perdidos e confusos. Não sabemos ao que nos juntar, ao que nos agarrar, o que amar e o que odiar, o que respeitar e o que desprezar. Estamos oprimidos por sermos homens – homens com um verdadeiro corpo individual e verdadeiro sangue, temos vergonha disso, pensamos que é uma desgraça e tentamos chegar a ser uma espécie de homem generalizado e impossível (…). Em breve, tentaremos de alguma forma nascer de uma ideia. Mas basta. Não quero escrever mais do «Submundo».”
Esquecendo, por momentos, toda a bravata de Trumps e chapéus de Melanies, pondo entre parênteses bagagens e arrudas, façamos um minuto de silêncio e recordemos Fédor Dostoievski ouvindo Hipólito Kirilovich, no “seu canto do cisne”, a interpretação dessas vozes diferentes, mas conjugadas – interpretadas em pleno tribunal:
“ – Que é pois esta família Karamazov, que alcançou de súbito tão triste celebridade? Talvez eu exagere, mas afigura-se-me que ela resume certos traços fundamentais da nossa sociedade
contemporânea, em estado microscópico (…). Vejam este velho libertino, este “pai de família” que morreu infaustamente (…). Completa ausência de sentido moral, inextinguível sede de viver. Além dos prazeres sensuais, mais nada existe, eis o que ele ensina aos filhos (…). Vejamos os filhos deste homem (…) Ivan é um rapaz moderno, bastante instruído e inteligente, que não acredita em nada e já renegou muitas coisas, como o pai (…) Segundo ele, tudo é permitido (…). O mais novo, ainda adolescente, é piedoso e modesto. Ao inverso da doutrina sinistra do irmão, tende para os «princípios populistas», ou o que assim se chama em certos meios intelectuais. (…) Encarna, parece-me, inconscientemente, o desespero fatal que leva muitos jovens da nossa infeliz sociedade (por medo do cinismo corruptor e porque atribuem, sem razão, todos os nossos males à cultura ocidental), a regressar, como eles designam, ao «torrão natal» e a lançar-se, por assim dizer, nos braços da terra mãe (…). O primogénito desta família está no banco dos réus As suas aventuras desenrolam-se diante de nós. Chegou a hora de tudo aparecer em pleno dia. Ao inverso dos irmãos (um ocidentalista e outro populista), este representa a Rússia no estado natural (…). Há em nós uma aliança espantosa do bem e do mal…”
Assim, de facto, inscrevi, na minha juventude, esta “marca” para a vida que vai ressurgindo, em formas diferentes, em dias sucessivos de anos diversos, mas que se tornou símbolo forte para mim:
Dostoievski – marca maior da literatura, um dos maiores génios, dentro do “meu” cânon Universal: Dostoievski, Shakespeare, Camões, Fernando Pessoa, Cervantes, Proust e Borges (sem qualquer tipo de ordem).
Dostoievski morreu (fisicamente) no dia 9 de Fevereiro, do ano de 1881, mas permanecerá, profundamente como se esta citação de Noites Brancas surgisse para explicar o que senti
“Meu Deus! Um instante de completa felicidade não basta já para uma vida inteira?”

Paula Castelo Branco
Docente de Português
(Coordenadora do Departamento de Línguas)

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